segunda-feira, 30 de junho de 2014

O caso Suárez. Uma vez mais o Direito em campo

Opertti fala em violação de Direito Internacional pela FIFA. Será? O ex-chanceler uruguaio Didier Opertti, especialista em Direito Internacional, diz que a decisão da FIFA que sancionou Suárez violou os direitos humanos. Parte do princípio de que Suárez deveria ter sido escutado antes da decisão (aqui).

Discordamos de Opertti. Tanto o jogador quanto a Federação Uruguaia de Futebol foram convidados a apresentar suas alegações de defesa e a documentação comprobatória que considerem pertinente até 25 de junho de 2014, 17h, horário de Brasília (“The player and/or the Uruguayan FA are invited to provide with their position and any documentary evidence they deem relevant until 25 June 2014, 5pm, Brasilia time”. Aqui).

Pelo que noticiaram os jornais, a Federação Uruguaia apresentou a defesa em favor de Suárez dentro do prazo. Portanto, a decisão foi proferida uma vez considerada a manifestação do atleta.

Não conheço o conteúdo da defesa, mas o código permite que se requeira a produção de provas (art. 94, 2, “c”, do Código Disciplinar da FIFA - CDF). E o art. 96, 1 do mesmo Código estabelece que é admitida a produção de qualquer tipo de prova para o pleno exercício da defesa.  As únicas provas inadmitidas são aquelas que violam a dignidade humana ou aquelas que objetivamente forem impertinentes (art. 96,2, CDF - aqui).

Por essas razões, não acredito ter havido violação do direito ao contraditório.

A extensão da pena de Suárez é outra história. Ninguém poderia esperar que Luisito ficasse sem punição. Não seria razoável.

A sanção imposta determinou (decisão da FIFA aqui):
a)      a suspensão por nove partidas oficiais;
b)  o afastamento das atividades futebolísticas e aquelas com elas relacionadas por 4 meses;
c)  a proibição de entrar nos estádios de futebol durante o referido afastamento;
d)      a proibição de entrar nos estádios em que a seleção do Uruguai estiver jogando, até que se cumpra as nove partidas de suspensão.
e)      o pagamento de cem mil francos suíços de multa.

Há quem entenda que a punição foi injusta pelo simples fato de a FIFA não ser uma instituição séria. Este argumento não pode ser aceito porque não enfrenta a decisão em si mesma. Aliás, esse tipo de argumentação virou moda no Brasil. Analisa-se menos os argumentos e mais a condição pessoal do emissor da opinião.

Suárez errou. É a terceira vez que morde um adversário. A sociedade – e principalmente um Chefe de Estado – tem o dever de condenar qualquer atitude antidesportiva e violenta.

Não obstante, é relevante comparar a extensão da pena aplicada a casos similares no âmbito disciplinar da FIFA. Isto se justifica porque o Código Disciplinar da FIFA não estabelece uma escala de pena para cada conduta. O sistema é aberto. Há condutas por um lado e penas por outro. Cabe ao Comitê Disciplinar usar a sua discricionariedade. Por essa razão, a “jurisprudência” passa a ter muito valor, pois é capaz de revelar a ratio das penas impostas.

Inicialmente, achei que o caso do Suárez seria comparável somente àqueles atos de violência deliberada, fora de uma disputa de bola. Mas, pensando melhor, é equiparável a todos, pois, muitos atletas utilizam o pretexto da disputa da bola para machucar o adversário.

Comecemos por comparar os casos em que a agressão foi feita fora de uma disputa de bola. Cito três bem conhecidos. João Pinto, atleta português, que deu um soco no estômago do Juiz (2002). Foi punido com seis meses de suspensão, perna que foi reduzida para quatro meses. Zidane, com a famosa cabeçada em Materazzi, na final da Copa de 2006, foi punido com 4,8 mil euros e três partidas de suspensão. Nenhuma dessas penas se equiparou à de Suárez.

A razão da punição dos casos citados é a mesma. Aliás, o que agrediu a autoridade máxima da partida seria até mais grave, claro.

É preciso esclarecer que a pena aplicada a Suárez não foi aumentada em razão da reincidência. Para a FIFA ele não era reincidente. Seria reincidente se houvesse cometido a infração em jogo oficial pela seleção uruguaia, o que não aconteceu. Os fatos anteriores ocorreram no campeonato inglês. Por isso, aumentar a pena por reincidência ou para servir de exemplo seria ilegítimo. Seria o mesmo que algum juiz brasileiro aumentasse a pena de um réu apenas para evitar a prescrição. Não há permissão jurídica para isso em ambos os casos.

Se for comparar com os atos de violência na disputa de bola em que, objetivamente, o atleta teve a clara intensão de agredir o adversário e foi expulso da partida, a pena aplicada a Suárez se mostrou ainda mais exacerbada. Lembro aqui o caso do jogador brasileiro Leonardo, na Copa de 1994, quando quebrou o nariz do jogador norte-americano Tab Ramos com uma cotovelada. Ficou suspenso por quatro jogos.

Enfim, se a FIFA pretendeu aplicar a dura sanção para “moralizar” – e tentar melhorar sua imagem – acredito que se desmoralizou ainda mais. Mordeu além da medida. 

* corrigido às 0h46min.