quarta-feira, 29 de julho de 2015

A PEC 80/2015 e o entendimento do STF

Publico abaixo o comentário recebido e faço as considerações em seguida.

"Professor, com a devida vênia, suas constatações estão dissociadas do que o Supremo tem dito sobre o assunto. Não proponho aqui que o Supremo Tribunal Federal seja o único e exclusivo intérprete da CF, não é isso, mas o fato de quem dá a palavra final ter se manifestado a respeito deveria ter um peso nas análises de quem escreve ou pesquisa sobre determinado assunto. Vide ADI 448/PR.
No julgamento da citada ADI, o assunto sobre a unicidade de órgãos jurídicos no âmbito dos Estados e DF foi expressamente abordado, chegando-se à conclusão que qualquer função, na administração centralizada ou não, de representação judicial ou consultoria só poderia continuar sendo exercida até que os cargos responsáveis por essa atuação vagassem, impedida a realização de novos provimetos, salvo se no cargo de Procurador do Estado.
Sua análise, outra vez com a devida vênia, passa por cima desses fatos sem reportar-se a eles, o que acaba afastando a cientificidade do texto.
Ademais, e apenas para ilustrar, a própria AGU apontou em seus pareceres a difereça expressa na CF com relação àquela e as PGE´s e PGDF". 
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Prezado Anônimo,

Inicialmente, agradeço a sua manifestação crítica e respeitosa. É somente através da reflexão e do diálogo franco e democrático que o Direito amadurece e se desenvolve.
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De fato, não trouxe trechos de Acórdãos por entender que não há no STF, ainda, uma ação que vise discutir o tema da advocacia pública no contexto da descentralização administrativa. O problema não foi levado ao STF em toda a sua extensão.
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Por essa razão, prefiro, do ponto de vista científico, não trazê-los, mesmo tendo conhecimento de entendimentos que se harmonizam com a tese que defendemos. Neste ponto, vejo que discrepamos.
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Aliás, confesso que não me sinto confortável com a construção de interpretações jurídicas com base em uma espécie de “decisionismo” (utilização exagerada e anticientífica de julgados) que muitas vezes se vale de frases, parágrafos e até de palavras extraídas de decisões judiciais. Coincidentemente, escrevi sobre isso em minha última postagem neste espaço.
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Não obstante, a ADI 484 PR mencionada julgou a lei paranaense que criava carreiras especiais de advogados públicos inclusive dentro da Administração Direta, o que é diferente. A discussão central era se se tratava de criação de novas carreiras ou de transformação/aproveitamento de cargos já existentes antes da CF/88. Os problemas da advocacia pública nas Administrações Indiretas não foram enfrentados com profundidade. As menções à unidade federada nunca vinham esclarecidas, nos respectivos votos, acerca do seu alcance.
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A considerar a extração de trechos de Acórdãos favoráveis ao entendimento que defendemos, basta observar o voto condutor do Ministro Octávio Gallotti na ADI 175/ PR e também do próprio Néri da Silveira, que o acompanha, quando votaram pela constitucionalidade do art. 56 da ADCT da Constituição Paranaense:
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“Vê-se, desde logo, que, no pertinente ao assessoramento jurídico do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, não há margem alguma para a alegação, ínsita na petição inicial, de invasão da competência natural de Procuradoria Geral do Estado. É certo que não possuindo – as Assembléias e os Tribunais – personalidade jurídica própria, sua representação, em juízo, é normalmente exercida pelos Procuradores do Estado. Mas têm, excepcionalmente, aqueles órgãos, quando esteja em causa a autonomia do Poder, reconhecida capacidade processual, suscetível de ser desempenhada por meio de Procuradorias Especiais (se tanto for julgado conveniente, por seus dirigente), às quais também podem ser cometidos encargos de assessoramento jurídico das atividades técnicas e administrativas dos Poderes em questão (Assembléia e Tribunais).
(...)
Tenho, assim, que, só quanto ao último (o Executivo), poderá assumir algum relevo a controvérsia sobre ser indissociável, da Procuradoria do Estado, a tarefa de assessoramento, entregue, pela Constituição do Paraná, a uma carreira especial, sob coordenação da Procuradoria Geral do Estado.”
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Pode-se extrair do trecho exposto que, segundo a interpretação do STF, a Constituição dá a exclusividade de representação e consultoria à procuradoria-geral somente no tocante à Administração Direta.
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Do mesmo modo, pode-se citar a manifestação do Ministro Relator Lewandowski, no RE 558258, quando afirma que os procuradores autárquicos se inserem no conceito de advocacia pública trazido pela Constituição Federal de 1988. Ou, então, a própria Súmula 644 do STF que reconhece a existência da representação judicial das autarquias pelos procuradores autárquicos sem a necessidade de instrumento procuratório. Deduz-se que a representação decorre diretamente da ordem jurídica.
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Independentemente da discussão travada, verifica-se que a PEC 80/2015 acaba por repetir o sistema federal que admite, constitucionalmente e por meio da LC 73/93, que, ainda que vinculados à AGU, a representação das autarquias e fundações federais seja feita pelos procuradores pertencentes aos respectivos órgãos jurídicos dos entes da Administração Indireta (Vide art. 17 da LC 73).
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Se a PEC 80/2015 fosse inconstitucional, o sistema federal também deveria padecer de inconstitucionalidade, o que não é o caso.
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Abraços

terça-feira, 28 de julho de 2015

Os concursos públicos e os destinos da Ciência Jurídica



Regressando ao magistério do Direito Administrativo depois de três anos, um desconforto voltou ao meu juízo: a maioria dos alunos – e falo de uma maioria expressiva – assiste às aulas para extrair lições para serem aprovados nos concursos públicos. E nos demandam por isso.

Nada contra a opção pelos concursos públicos. Sou também concursado. Mas acredito que o problema é o que as bancas dos concursos vêm exigindo dos candidatos.

Ao ministrar as aulas e indicar o que deve estudar para passar nos concursos, sou obrigado a falar a verdade. Não é preciso conhecer em profundidade a teoria do Direito e nem mesmo a disciplina.

A receita para a aprovação se reduz à leitura do texto da lei, dos resumos e dos informativos do STF e do STJ. E só. Há que ter dedicação muito especial também de tempo, pois o volume de matérias é grande. E, então, o aluno acaba seguindo a receita para alcançar o seu objetivo.

Este quadro é preocupante, pois não se aprende de fato o Direito lendo resumos e informativos jurisprudenciais. No máximo, com esse tipo de estudo formamos instrutores que repetem, de modo até inconsequente, conhecimentos do qual não têm conhecimento de causa.

Já presenciei numerosas vezes – nos tribunais ou fora deles – uma discussão jurídica terminar com a força da autoridade: “o STF já decidiu assim”. E pronto, terminada a discussão. Como se isso bastasse para se decidir sobre um caso jurídico.

Há uma tendência em cobrar nas provas dos concursos, de forma exagerada, a jurisprudência dominante nos tribunais superiores. Por certo, se trata de uma importação acrítica do realismo jurídico norte-americano em que os precedentes judiciais desempenham um papel fundamental.

É prudente esclarecer que entendemos que a jurisprudência tem papel importante. O que criticamos é o exagero que se mostra evidente. E, com isso, perde em importância o conhecimento doutrinário construído ao longo dos anos.

Toda essa tendência tem refletido nos profissionais que assumem importantes cargos de carreira jurídica.  A cada dia mais, os pareceres, petições, manifestações, decisões, acórdãos revelam-se como um amontoado de citações de precedentes judiciais. Há pouca preocupação em discutir a estrutura, o histórico, a racionalidade de formação do Direito em disputa, e o pensamento dos mestres que se dedicaram ao tema. A maioria das vezes tudo fica reduzido à indagação se o caso está ou não de acordo com a jurisprudência vigente.

A tendência também vem refletindo nos livros publicados. Os mais vendidos são aqueles que apresentam os macetes e trazem questões de concursos. Ou então aqueles que “esquematizam” ou resumem a matéria e andam atualizados com a jurisprudência. Enquanto isso os grandes doutrinadores vão ficando esquecidos.

Há aspectos muito curiosos nesses livros campeões de vendas. Verifica-se, em quantidade, a citação de trechos de acórdãos para fundamentar algo que, na verdade, não é sequer o objeto central do acórdão em seu todo. Isso tem mostrado que qualquer frase ou parágrafo de um acordão pode converter-se em uma questão de concurso e, por isso, tornar-se uma “doutrina” nos livros. Nada mais perigoso e desastroso.

É tão contagiante esse mecanismo que nos vemos envolvidos nele nas tarefas jurídicas cotidianas (e aqui entra um mea culpa). Não é raro buscar, em primeiro lugar, uma jurisprudência para inserir na peça na crença de que damos mais credibilidade à tese que defendemos, em vez de apresentar os doutrinadores, que são os que verdadeiramente conhecem a matéria.

E há quem acredite que essa espécie de “decisionismo” seja mesmo o verdadeiro Direito. Argumentam que é a realidade do Direito; que é a única forma de construir o Direito de modo concreto e atualizado. Quem decide é quem faz o Direito, acreditam. Dizem, ainda, que o Direito é prática e estamos em uma era de mais dinamismo, em que tudo deve ser mais célere e objetivo.

Respeito essa posição, mas não posso estar de acordo. Vejo-a como um grave empobrecimento, como um desprezo à cultura jurídica, à doutrina, ao verdadeiro conhecimento do Direito. Fala-se de “objetividade” e “celeridade” como se a doutrina fosse sempre um amontoado infindável de subjetividades flutuantes e aleatórias totalmente incompatíveis com a pós-modernidade, o que não é verdadeiro.

É bom lembrar que expor a doutrina não significa, necessariamente, fazer longas peças. Pode-se fazê-lo de modo direto e objetivo sem deturpar as características do discurso e do espaço da prática forense.

A persistir e se aprofundar esse tipo de concepção “decisionista” do Direito, as pós-graduações serão voltadas a conhecer somente a jurisprudência, sendo desnecessários os doutrinadores. Esses cursos perderão a capacidade de ser solo fértil de produção de conhecimento jurídico.

A consequência natural é que o Direito deixará de desenvolver-se enquanto ciência, porque terá menos pessoas dedicadas ao seu estudo. É uma dura sina para a ciência jurídica, mas, infelizmente, previsível.

Enfim, sei que parece uma crítica simplista ao método dos concursos atuais. Não é fácil a tarefa de selecionar. Tenho consciência também de que a própria organização das carreiras jurídicas impõe dificuldades. O sistema judicial, por exemplo, leva o candidato a juiz a tornar-se um verdadeiro “especialista em generalidades”. É desumano o que deve conhecer (ainda que superficialmente) um candidato ao cargo de juiz.

O candidato detentor de boa experiência profissional, valoroso currículo acadêmico e portador de sólida cultura jurídica, provavelmente, não logrará aprovação na prova objetiva dos concursos se não parar para memorizar a literalidade dos textos legais em suas minúcias, não conhecer os macetes e sistemas das bancas examinadoras, além das posições atuais dos tribunais. E, neste caso, os serviços públicos perdem em qualidade.

Há muitos caminhos para corrigir e aperfeiçoar o sistema. Um deles é começar por repensar as próprias estruturas das carreiras jurídicas. Creio que a especialização é um caminho interessante. 

O Ministério Público, por exemplo, poderia criar condições para ter concursos distintos para área Penal e para a do Direito Administrativo, Financeiro e Tributário. Poder-se-ia aprofundar a exigência do conhecimento do candidato, obrigando-o a conhecer as disciplinas com mais profundidade, com exigência de bibliografia de peso. As cobranças de memorização de textos legislativos seriam abandonadas e também o “decisionismo”.

Há muitas outras sugestões, mas deixemos para outra oportunidade.

sábado, 25 de julho de 2015

A PEC 80/2015 repete a sistemática federal e não viola o pacto federativo




Introdução. Voltamos ao tema da PEC 80/2015, que estabelece a competência exclusiva dos advogados públicos autárquicos e fundacionais para a representação e consultoria jurídicas dos respectivos entes da Administração Indireta. 

No curso dos debates acerca da PEC 80/2015, verifica-se a insistência na tese – que acreditamos incorreta – de que as procuradorias-gerais são as representantes judiciais exclusivas das Administrações Públicas Diretas e Indiretas dos Estados, e que a PEC 80/2015 viola o pacto federativo.

A PEC 80/2015 e a inaplicabilidade do art. 69 da ADCT. Reafirmamos que não há referência no texto Constitucional (art. 132) às entidades da Administração Indireta dos Estados federados para fins de advocacia pública. Numa perspectiva literal, histórica, sistemática ou teleológica, verifica-se que o dispositivo trata apenas da representação da pessoa jurídica da Unidade Federada pelos procuradores de Estado.

Invocar o art. 69 da ADCT para afirmar que a representação estadual tanto da Administração Direta quanto dos entes da Administração Indireta se deve a um único órgão (as procuradorias-gerais) não nos parece apropriado e convincente. Eis o texto do artigo:

Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacia-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções”.

Em primeiro lugar, o referido dispositivo se reporta somente aos casos de Consultorias Jurídicas. Não envolvem a representação judicial ou extrajudicial propriamente dita. Por essa razão, o referido comando constitucional transitório não se amolda à hipótese em discussão.

O dispositivo é também inaplicável porque não envolve a Administração Indireta. À época da promulgação da Constituição de 1988 havia consultorias internas de distintos órgãos da Administração Direta que gozavam de autonomia (especialmente no âmbito federal). O constituinte buscou impedir que as consultorias de órgãos – frutos da desconcentração – atuassem com a autonomia própria dos departamentos jurídicos de entidades personalizadas que são o resultado da descentralização. O que se buscou foi a padronização  dentro de uma mesma pessoa jurídica.

Como se constata, a finalidade do art. 69 da ADCT acaba por reafirmar o respeito à descentralização ao promover a necessária correção: somente poderão atuar como departamentos jurídicos autônomos aqueles pertencentes a pessoas jurídicas decorrentes da descentralização. Os novos departamentos jurídicos internos da Administração Pública Direta deviam adequar-se aos mecanismos que a desconcentração requer: subordinação ao poder central.

Assim, o art. 69 da ADCT não serve de apoio para justificar a exclusividade de representação judicial pretendida pelas procuradorias-gerais, mas sim para ratificar a necessidade de autonomia dos entes da Administração Pública Indireta que necessitam de representação jurídica própria.

A PEC 80 e a sua compatibilidade com a sistemática da AGU. É interessante notar que a sistemática proposta pela PEC 80 é a mesma da existente âmbito federal. Ao contrário do que se tem afirmado, a Constituição Federal não deu tratamento distinto à União e aos Estados no que tange à representação judicial das respectivas Administrações Direta e Indireta.

O art. 131 estabeleceu que é a Advocacia-Geral da União (AGU) a que representa com exclusividade a União. Não há menção à representação dos entes da Administração Indireta da União, tal como acontece com referência aos Estados, no art. 132.

A conclusão de que a representação jurídica da Administração Indireta da União é apenas vinculada à AGU – e não subordinada – é amparada pela Constituição. Para comprovar a validade desta tese, basta verificar que as entidades autárquicas e fundacionais da União têm representação judicial e extrajudicial feita por suas próprias procuradorias. A Lei Orgânica da AGU (Lei Complementar nº 73/93) é claríssima em seu Capítulo IX, cujo título é “Dos Órgãos Vinculados”:

 “Art. 17 - Aos órgãos jurídicos das autarquias e das fundações públicas compete:
I - a sua representação judicial e extrajudicial;
II - as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos;
III - a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial.

Ademais, o artigo 2º da referida LC 73/93 também é claro ao estabelecer que as procuradorias seccionais, por exemplo, são subordinadas diretamente ao Advogado-Geral da União (§ 1º), mas, com relação às autarquias e fundações públicas, o § 3º apresenta, expressamente, o regime da vinculação:

§ 3º - As Procuradorias e Departamentos Jurídicos das autarquias e fundações públicas são órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União”.

Se houvesse inconstitucionalidade na PEC 80/2015 seguramente já haveria sido proposta uma ação direta de inconstitucionalidade em face dos mencionados dispositivos da Lei Orgânica da AGU, o que não foi feito. Em verdade, nem o será, pois a LC 73/93, em perfeita harmonia com a Constituição, garante a autonomia dos órgãos jurídicos das autarquias e fundações públicas federais.

Cabe esclarecer que a unificação das carreiras da AGU levadas a efeito no âmbito infraconstitucional se voltou, exclusivamente, para fins de garantias de isonomia de direitos funcionais, pois se tratam de servidores públicos federais vinculados a um regime jurídico único.

É preciso destacar enfaticamente que a unificação das carreiras da AGU não se reportou às funções de advocacia pública em si mesmas. Estas permaneceram regidas pela LC 73/93, que estabelece a competência dos membros dos órgãos jurídicos das autarquias e fundações públicas para representá-las judicial e extrajudicialmente (art. 17); e regidas também pelo Estatuto da Advocacia/OAB que exige a independência do advogado, em qualquer circunstância.

Não obstante, a Súmula 644 do STF (DJU 09.12.2003) já reconheceu que a capacidade de representação dos advogados públicos das autarquias sequer necessita de apresentação de procuração, porque decorre diretamente da ordem jurídica, de forma a reafirmar a legitimidade e a autonomia da advocacia pública fruto da descentralização: “ao procurador autárquico não é exigível a apresentação de instrumento de mandato para representá-la em juízo”.

Relembre-se, por fim, que o novo código de Processo Civil, em seu art. 75, também não deixou dúvida a respeito das representações judiciais distintas da Administração Direta e da Indireta, tal qual comentamos no artigo anterior publicado neste espaço.

Pelo exposto, uma vez mais se reafirma a constitucionalidade e a necessidade da PEC 80.

A PEC 80/2015 não viola o princípio da forma federativa. Afirmar que a advocacia pública, tal como proposta pela PEC 80, viola o pacto federativo requer que se indique qual a regra de competência/organização constitucional do Estado é violada. Ninguém indica e nem irá indicar, porque inexiste violação.

A existência da advocacia pública autárquica e fundacional com capacidade de representação dos próprios entes não compromete as funções da Administração Direta (impropriamente chamada de “Central”) nem prejudica a independência do ente federado no âmbito do pacto federativo, tal como se demonstrou no artigo postado anteriormente neste espaço.

Se fosse inconstitucional a advocacia autônoma proposta pela PEC 80/2015, seria também inconstitucional o próprio fenômeno da descentralização, o que seria um absurdo jurídico.

Do mesmo modo, é argumento frágil afirmar que a existência de representação exclusiva pelas procuradorias-gerais é uma forma de prevenir litígios entre a Administração Direta e a Indireta. Ora, as procuradorias não têm a função judicante de solucionar conflitos. Se a detivessem, violariam o princípio constitucional da jurisdição. Ademais, os procuradores – e qualquer outro advogado público – não têm poderes jurídicos para evitá-los, uma vez que não se confundem com os gestores públicos que concretamente realizam os atos de Administração.

Aliás, não se pode esquecer que os gestores não se subordinam às opiniões dos procuradores/advogados públicos, razão pela qual os tribunais superiores, pacificamente, entendem que a responsabilidade é exclusiva do gestor por seus atos e não dos eventuais assessores jurídicos.

Enfim, cremos que há elementos seguros para reafirmar que a PEC 80/2015 não padece de inconstitucionalidade. Muito ao contrário, a proposta tem nítido fundamento republicano ao garantir a concretização, em todas as suas dimensões, da autonomia dos entes da Administração Pública Indireta, que são fruto da descentralização administrativa tutelada pela Constituição da República.

O que se afigura inconstitucional é a tese de que as procuradorias-gerais são representantes judiciais e extradjudiciais (e também consultores) exclusivos dos entes da Administração Indireta. A interpretação viola o princípio da descentralização administrativa, porque compromete a autonomia de tais entes. Por essa razão, tal interpretação afronta o art. 37, XIX, da Carta da República.